21 de dez. de 2008

Maria

alex prager2

Maria acordou sorrindo, sonhou com um tempo onde não havia nada, nem mesmo ela e se sentiu bem. M aria é estranha, mas se sente viva quando tudo parece morto. Maria, Maria! - chama sua irmã – Corre pra cá! Vem ver a festa! Mas ela não vai. Maria não gosta de festas. Maria não gosta de nada, nem de sonhar.

Maria é assim, morta e viva e triste e bela. Semi-perfeita em seu nome curto e beleza dura. Maria é tão blasé que nem sei como ela pode ter uma história. Na verdade ela não tem ums história, ela não tem nada, só uma descrição. Maria não faz nada, não ama ninguém, não estuda, nada aprende. Maria apenas está ali, Maria é como um rosto do outro lado da rua, você nem vê, nem mesmo sabe que ela está ali, mas lá está ela com sua vida e morte e beleza e tristeza. Maria é assim, como um flamingo pegando carona numa kombi cheia, caso você a veja apenas ri.

Maria é um eco, uma resposta vazia e mecânica que grita e grita e grita e acaba. Assim, sem início nem meio nem fim. Maria não pode ter uma história, Maria não aparece na tela nem vai ao cinema nem sabe de nada. Maria é grão de poeira que a gente sopra do dedo, é um dente-de-leão recém soprado. Maria é o fim da picada.

7 de dez. de 2008

Vida que segue

A chuva chovendo em chi cai na fonte, na casa, no carro, na cabeça de quem passa na rua.

Na casa, na canaleta, no ralo cai na água que chove, que encharca e transborda.

Na casa, na chuva, na cama, tem um caso que rola solto na vida. Casaram-se dois, tornaram-se cinco. Hoje a moça que cose, cozinha para cinco famintos, cinco caminhos distintos que cosem, que cruzam na corte, na casa, na chuva.

Na calha da vida corre a àgua do tempo. Nas vidas que seguem caminham as cores em curvas cosidas pela moça que hoje cozinha na copa. Caminham em cruzamentos, em caminhões carregados em pacotes de vida. caminham e cessam com a chuva; Retornam à casa. Cavalgam e trotam na calha, correm.

Canudos e colheres na sopa com legumes cozidos com carinho pela cosinheira e costureira da casa, que agora cutuca o pano com a agulha de aço: cose o cobertor do neto. Caminha da copa para a cama e da cama para a copa, somente.

O chuvisco carrega a canção, chora o cavaco, cambaleia o caminhar dançante, conquista-se outra dama que coserá novas vidas.

Cachorros, canecos, cadernos, canetas, chuvas, casas e camas. Caminhões com carga de vida caminham nas curvas do tempo, aceleram e se acertam nas rotas dos campos. Ultrapassam as quedas e covas conforme caminham. Carregam as cruzes no peito e confiam em cristo os caminhos, as vidas.

Conferem as cores e cheiram as flores, esperam a chuva passar enquanto sonham com as casas e as esposas costurando com carinho o manto quantinho que lhes aquece nos bancos, na estrada.

Constrõem o futuro nas curvas, nas vidas conquanto não escapam da morte e ficam numa nova casa, uma cova, onde escorre a chuva, com tristeza.

Caminham crianças rumo a uma nova rota. A chuva ajuda o café a crescer, chega a colheita, a nova canção, costume no campo. conquista-se a dama que coserá outro rumo para os que descendem do caminhoneiro. construir-se-á outro caminho, outra casa, outro futuro. Ficará a chuva escorrendo na calha, chiando na fonte, contando o tempo.

por Mariana Casals

este texto foi publicado no jornal "O Letrário" ano IV nº1 em agosto de 2006